domingo, 8 de junho de 2014

Se não leu, leia! - Piteco: Ingá

Plantar, Aguardar e Colher.




Anauê, galerinha desocupada! Tudo tranquilo por aí? Ah, só a título de curiosidade, pra quem não entendeu, "anauê" significa "olá" em tupi-guarani.

Ah, o domingo... dia de ir à igreja (ou qualquer outro templo religioso que tenha seus cultos realizados aos domingos), fazer um churrasco com os amigos, entendiar-se em frente a TV e ler um post fresquinho, recém saído do forno, no Desocupado. É ou não é o melhor dia da semana? Ok, pode até não ser, mas em que outro dia você acessa nosso humilde blog e confere um post bacana sobre Cinema, Games, Livros, Séries, Quadrinhos e companhia limitada? Pense nisso, caro desocupado.

Enfim, devaneios dominicais a parte, hoje venho até vocês pra falar um pouco sobre Piteco: Ingá, a última Graphic Novel da primeira leva do selo Graphic MSP, que, pra quem ainda não conhece, é uma iniciativa criada pela Maurício de Sousa Produções que tem como objetivo convidar quadrinistas brasileiros para reinterpretar os personagens clássicos de Maurício de Sousa em seus próprios estilos. Nesta primeira fase, tivemos Astronauta: Magnetar, por Danilo Beyruth; Turma da Mônica: Laços, pelos irmãos Vitor e Lu Cafaggi (do qual eu já falei aqui há um tempinho atrás); Chico Bento: Pavor Espaciar, por Gustavo Duarte; e, fechando o ciclo, a HQ aqui em questão, Piteco: Ingá, por Chico Shiko. Felizmente, todas essas HQs podem ser encontradas facilmente nas melhores livrarias Brasil afora, e cá entre nós, vale a pena ter cada uma delas.

No começo, havia apenas uma única grande tribo, forte e homogênea, onde todos viviam em harmonia. Porém, as castas que compunham essa grande tribo se dividiram, e tomaram cada uma seus respectivos caminhos. O Povo de Ur rumou para os altos das árvores e para os alagados, onde podem viver da captura de peixes e pássaros; Os Homens-Tigre foram para a selva, onde sobrevivem estritamente da caça; Somente o Povo de Lem permaneceu à margem do rio, mantendo-se através da plantação e da colheita. Mas agora será necessário seguir em frente, em busca de um novo lugar para plantar, pois o rio secou, e a pedra do Ingá diz que a hora de partir está próxima. Porém, na noite anterior ao dia da partida, Thuga, uma das xamãs da tribo, é raptada pelos Homens-Tigre. O Povo de Lem está preparado para partir sem ela, mas Piteco, não. O caçador Piteco resolve ficar para trás e ir ao resgate de sua amada, com a ajuda de seu engenhoso companheiro Beleléu.


Acho que a melhor maneira de começar este post é expressando a minha admiração não pela HQ em si — pelo menos ainda não —, mas pelo selo Graphic MSP. Se eu tivesse que defini-lo em uma só palavra, esta seria "ousado". Uma ousadia não por parte exclusivamente de Maurício de Sousa, por confiar seus "filhos" à outros artistas — afinal ele já faz isso com os títulos periódicos da Turma da Mônica e seus amigos —, mas sim por parte da Maurício de Sousa Produções como um todo, que resolveu arriscar suas fichas em artistas independentes, alguns deles desconhecidos do grande público (como é o caso do artista aqui em questão, Chico Shiko), para fazer releituras livres de seus títulos mais queridos e valiosos. Por mais conhecidos e adorados que sejam, algumas pessoas não tiveram a chance de ter um contato maior, ou sequer ter algum contato, com os personagens de Maurício de Sousa durante a vida, e através das Graphic Novels da Graphic MSP, essas pessoas têm a chance de conhecer e gostar desses personagens sob a ótica de autores que, acima de tudo, são tão fãs da obra que estão reinterpretando quanto seus leitores. Eu mesmo me encaixo nesse perfil. Nunca fui um grande fã dos Quadrinhos do Maurício de Sousa quando mais novo, e confesso que hoje em dia continuo não sendo, mas desde o comecinho de 2013 passei a ser um grande admirador do Graphic MSP e de todos os artistas que já passaram pelo selo. Principalmente daquele sobre o qual falaremos agora, Chico Shiko.

Bem, o que dizer desse cara que eu mal conheço e já considero pacas? Ok, isso foi só uma referência besta aos bons e velhos tempos de Orkut (que Deus o tenha), mas, acreditem ou não, se encaixa perfeitamente nas minhas impressões sobre o artista. Assim como muitos outros, eu não conhecia o trabalho de Chico Shiko até ler Piteco: Ingá, e também como muitos outros, me tornei fã imediatamente. O traço de Shiko segue uma linha não necessariamente realista, mas bastante próxima a realidade, com uma anatomia fiel (em relação a nossa anatomia) e pouquíssimo estilizada e expressões faciais muito bem reproduzidas. Até aí tudo bem, mas os grandes diferenciais de Shiko são O QUE ele faz com seu traço e COMO ele faz. Ele gosta de representar coisas reais — quase sempre pessoas — de um jeito um tanto quanto bizarro, usando cores fortes e bem chamativas, geralmente feitas em aquarela.

Ok, mas o que isso tem a ver com Piteco: Ingá? Tudo, meu jovem desocupado, já que a HQ foi feita exatamente nesses moldes. Das características citadas, a que, com certeza, chama mais atenção em Ingá são as cores. A revista inteira foi colorida em aquarela, fazendo com que cada quadro pareça um pintura por si só. Mas as cores não servem apenas para deixar as páginas de Ingá mais bonitas. Elas funcionam, principalmente, como um complemento indispensável para o traço de Shiko. É através dela que detalhes importantes como a iluminação, o volume a tonalidade dos quadros são representados. Ao final da revista, há alguns esboços de páginas e estudos de personagens feitos por Chico Shiko para a HQ, e neles podemos notar claramente o papel das cores em seu trabalho. Chega a ser impressionante a diferença entre uma página finalizada apenas com nanquim e a mesma página totalmente colorida. A iluminação se dá toda através das cores, que é totalmente influenciada pela tonalidade de cada cena (ou quadro), formando uma mescla sutil e bonita.

"Esse cordão é de prata mesmo, minha senhora? De prata mesmo?!"

O enquadramento segue bastante o padrão usado nas HQs do Graphic MSP, com quadros retos e sem contorno e todas as páginas brancas, dando uma elegância à revista, mas tirando um pouco do clima sombrio da história. Dentre os artistas que passaram pelo selo Graphic MSP, Chico Shiko chega a ser um dos mais ousados na hora de enquadrar suas histórias, usando quadros sobrepostos, detalhes pulando para fora do quadro e splash pages (ilustrações que tomam uma ou duas páginas inteiras), todos estes belíssimos e muito bem acabados.

Ah, e não há como não falar do mundo pré-histórico criado por Shiko, no qual Piteco e seus amigos se aventuram. Shiko resolveu basear-se na cultura brasileira — mais especificamente paraibana —, utilizando muitos elementos da nossa História e do nosso folclore para compor não só o mundo mostrado em sua HQ, mas também o desenvolvimento de sua trama. O próprio título da revista, Ingá, vem da Pedra do Ingá, um misterioso monumento arqueológico que pode ser encontrado no estado da Paraíba. Só a título de curiosidade e aproveitando a deixa, há também um outro significado para o Ingá do título da HQ, mas esse eu não vou entregar de mãos beijadas. Será que você consegue descobrir? Muito bem, onde é que estávamos mesmo? Ah, sim! Os personagens de Piteco: Ingá também possuem uma identidade visual bastante própria. No geral, todos aparentam ser uma mescla entre homens das cavernas e nativos de tribos africanas, mas cada um dos povos da trama — Lem, Ur e os Homens-Tigre — têm características próprias, culturas próprias, enriquecendo ainda mais aquele mundo, e deixando um gostinho de "quero mais" em quem lê.

"Não vão! Fiquem! Vai ter bolo!"

Se eu tivesse que definir o roteiro de Piteco: Ingá de uma maneira informal — ou seja, se eu tivesse que escrever um post sobre o roteiro de Piteco: Ingá —, eu o definiria como uma aventura de RPG. Sim, Piteco: Ingá tem todos os elementos básicos que compõem uma boa aventura de Role-Playing Game: uma trama aparentemente simples, mas cheia de segredos e surpresas; uma narrativa linear, contada sob o ponto de vista de narrador-observador que, em certos pontos, participa ativamente da história; O grupo de heróis bem definido, com características e personalidades bastante próprias; Uma jornada repleta de provações e superações, que faz com que, ao final, os heróis não sejam mais exatamente os mesmos que acompanhamos no começo da aventura; e, é claro, muita ação. É ou não é uma ótima aventura de RPG? Só falta o rolar dos dados!

Dentre todas as HQs lançadas pelo selo Graphic MSP até agora, Piteco: Ingá é, de longe, a mais empolgante de se ler. Por que? Porque ela não deixa a peteca cair em momento algum. Página após página, Chico Shiko nos captura com uma coisa nova, uma nova criatura, uma nova luta, uma nova perseguição, ou simplesmente uma nova camada da história, ainda não explorada até aquele momento. Tudo isso contribui para que a leitura seja intuitiva, impedindo que você, leitor desocupado, largue a revista para lê-la depois, em uma outra hora. Piteco: Ingá tem um ritmo tão frenético — em comparação com suas irmãs de Graphic MSP — que é quase impossível não lê-la de uma tacada só.

De uma forma bastante geral, fazendo uma metáfora com a frase no comecinho do post — Plantar, Aguardar e Colher —, Piteco: Ingá é uma história sobre colheita. Ou pelo menos essa foi a interpretação que eu consegui encontrar. Mas como diabos Piteco: Ingá representa uma colheita? É isso que este que aqui vos escreve irá tentar explicar agora. No começo da história, um determinado conceito é "plantado" em Piteco. À medida em que a trama vai se desenrolando, vamos acompanhando o crescimento dos frutos daquele conceito anteriormente plantado, ou seja, vamos aguardando. E finalmente, no desfecho, vemos o que Piteco colheu do conceito previamente plantado, e no que isso mudou  o modo como ele interpreta o mundo ao seu redor. Sim, é uma viagem e tanto por parte da minha desocupada pessoa, mas acho que vale a pena pensar um pouco nisso. Foi uma ideia que eu acabei de plantar na cabeça de cada um de vocês desocupados. Será que ela conseguirá ser colhida depois?

"No principio, Kurgala era mar..."


No que diz respeito a trilha sonora...

Brincadeirinha. Que horas são agora? O que?! Como assim já é hora de publicar o post?! Meu Deus do céu, mas ainda falta a nota!!! Como assim "que nota?", todo post tem nota, oras! Aquela boa e velha nota de sempre!

Ok, aí vai! -> 10 / 10

Piteco: Ingá fecha com chave de ouro a primeira leva de revistas da Graphic MSP. Com o traço fantástico de Chico Shiko e uma história fácil de acompanhar, mas difícil de largar, Piteco: Ingá não erra em nenhum aspecto visível "a olho nu", sendo uma das melhores HQs a serem publicadas nessa primeira "temporada" de Graphic MSP. Que a Maurício de Sousa Produções telefone novamente para Shiko para mais uma revista, e que venham as próximas Graphic MSP!

"Entonce", se você tem alguns trocados entocados no fundo da carteira, não gaste-os com guloseimas! Em vez disso, invista-os em Piteco: Ingá, e tenha uma vida sem arrependimentos!

Bem, galerinha, acho que isso é tudo. No mais, fiquem com essa ilustra da Mônica feita pelo Chico Shiko:


Um abraço, e até mais!

Por Breno Barbosa

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